quarta-feira, dezembro 13, 2006

A política/produção legislativa, versus Ética Médica


Muito se discute hoje, a alegada necessidade de adaptação do Código Deontológico dos Médicos, àquilo que se entende dever ser a conduta adequada ao momento político/legislativo relativo à época (de cada país, já agora).
De novo, a questão salta para a ribalta, neste preciso momento, a propósito da prática do aborto/legislação a aplicar caso vença o sim, e, da objecção de consciência.
Não me vou alongar sobre a questão.
De resto ela não é de hoje, nem tem a ver com qualquer
sim ou não saído de um qualquer acto referendário (repetente, de resto).


Mas não posso deixar de dizer o seguinte:

Antes do
Juramento de Hipócrates, já se havia codificado a conduta moral dos médicos. Exemplos de tal codificação, encontramo-los no Código de Hamurabi (nome do rei que governou a Babilónia largo tempo (mais de 40 anos, julga-se) e terá vivido entre 1850 a 1750 a.c), no Livro de Hermes-Toltu do antigo Egipto ou no Código de Manau na Índia.
Hipócrates (ele próprio (?), ou o símbolo de valores de mestres pictóricos), é o ícone da emancipação da Medicina face à religião e à magia de rituais, passando desde então a considerar-se a
Vida um bem natural e, a felicidade humana, o bem supremo. O conceito do bem e do mal serão sempre discutíveis.
Quando o médico quer exercer qualquer acto na pessoa do doente, deve dizer-lhe exactamente em que consiste tal actuação e assegurar-se de que este percebeu, já que, nem sempre aquilo que o primeiro considera ser bom ou mau, vai ao encontro do que o seu interlocutor entende como tal.
Este "
raciocínio" também pode ser lido a partir da iniciativa tomada pelo doente (neste caso grávida, - partimos do princípio de que com uma gestação igual ou inferior a 10 semanas), que se propõe fazer algo (abortar), para o que necessita da colaboração/execução do médico, mas que este considera mal.

A ética é um modo de comportamento humano. Quando o aborto é entendido como eticamente incorrecto (expressão de
Amorim Rosa de Figueiredo in "Consentimento para o Acto Médico"), não há legislação/legalização/despenalização/liberalização, que lhe possa ser sobreposta.

Mas nisto também não há verdades absolutas e, afinal,
a ética é uma ética de discussão. Só que, por que, o Direito é chamado a intervir, surge uma "ética disciplinar", a definir com certeza e segurança o que é, ou não, lícito fazer.
Pelo lado mais positivista, plasmado nas normas do direito sancionatório (disciplinar ou penal), nada mais fácil de solucionar.
Mas como legislar consciências?
Chegados a este ponto, há que tomar em linha de conta a
liberdade. No caso, a liberdade individual para determinar a moral da conduta, para afirmar os próprios princípios, ou seja, reconduzindo-nos à consciência, para a protecção da sua própria consciência e da sua responsabilidade, por decisão própria.
Ora,
mas esta visão não colidirá com a protecção e a salvaguarda da comunidade?
Teríamos de ir fundo, muito fundo na discussão.
Em minha opinião a ética individual em casos de condutas morais tem de prevalecer sobre uma hipotética e alegada ética comunitária que
me esmague a vontade e me trate como coisa!

10 comentários:

Anónimo disse...

Em termos éticos, tanto direito tem o doente (ou grávida neste caso) a querer a IVG como o médico a não a praticar. Já o inverso não é verdadeiro, nem o poderia ser, por absurdo (a grávida a não querer interromper a gravidez e ser o médico a fazê-lo) aliás como em todo o acto médico, pressupondo um esclarecimento dos inconvenientes “científicos” da não efectivação da proposta entendível como terapêutica.

À afirmação de “quando o aborto é entendido como eticamente incorrecto não há legislação/legalização/despenalização/liberalização, que lhe possa ser sobreposta” eu pergunto:
E se o aborto for por outros considerado, pelo cidadão, eticamente correcto e a “lei” o considerar um “crime”?
A resposta deve residir, para ambas as situações, na necessidade de existir “liberdade individual” .
De quem assim o considera ou não e de quem dele da mesma forma“precisa” ou não, por variadas razões que só a ele importa.
Disto se depreende que a penalização do aborto não deva existir.

naoseiquenome usar disse...

Relembro J.F ( e obrigada pelo comentário) que, despenalização e descriminalização não são a mesma coisa. O que vai acontecer é um epifenómeno: crime sem pena até às 10 semanas; crime com pena a partir das 10 semanas e 1 dia.


Mas quero realçar aqui é a liberdade de actuação dos profissionais a quem incumberia/á a realização de abortos, por serem lícitos,eventualmente social e psicológicamente compreensíveis, mas continuam e continurão a recusar fazê-los.

Francis disse...

Concordo. A ética não pode ser matematizada. Sou pela despenabilização do aborto nos moldes a que é proposto; No entanto, penso que deveria haver uma claúsula que contempalsse apenas casos de insuficiência económica para evitar interrupções de gravidez apenas por comodidade. Calma... calma! Já sei o que vais dizer. Os padrões que definiriam as condições económicas jamais seriam consensuais e nalguns casos contornados, o que nos leva de novo à questão ética.
Gostei desta viragem de rumo.
Um beijo GRANDE!!!

naoseiquenome usar disse...

Ó Francis!!!
Não. Vou dizer-te apenas isto: enquanto fosse e não fosse recepcionado o 1.º ofício :) passar-se-iam as 10 semanas...

...

Anónimo disse...

nãoseiquecomentariofazer a este post da naoseiquenomeusar.

A IVG é apenas isso a INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ. Isto é uma mulher decide interromper voluntariamente uma gestação. Porque será penalizada por o fazer?
Com ética, sem ética, com pecado, sem pecado, com lei, sem lei, uma mulher sempre que quiser interromper uma gravidez tem, interrompe, com ou sem a ajuda de terceiros. Se voto pela despenalização é apenas para permitir que essa interrupção seja feita em condições ideais. Não concordo que o SNS comparticipe. Concordo que os hospitais aceitem as mulheres que queiram interromper uma gravidez, mas que paguem o serviço efectuaiod nas melhores condiç~es.

naoseiquenome usar disse...

Pois é. "Voluntáriamente". O argumento, diz o comentador acima, é que eles são feitos, quer queiramos quer não, pelas mulheres elas próprias ou com a ajuda de terceiros. Ponto. Fazem-se. Pelo que, se devem oferecer as condições ideais para o efeito.

Pois.
Acredite, por absurdo que:
"voluntáriamente", quem quer mata outro, a tiro, à facada, por estrangulamento, por envenenamento,ou outra forma qualquer, mais clássica ou menos clássica, por eles próprios ou com a ajuda de terceiros...

É um argumento. Que não atinge a essência da questão em meu entender, peço desculpa. Por ser "simplista".
Mas o objectivo do post não está em defender ou incriminar a mulher que quer abortar, mas sim, defender que o profissional de saúde, em consciência, possa (pese embora a legalidade do acto), recusar-se a fazê-lo.
Por outro lado, queria contrariar a idéia de que o Código Deontológico é "ilegal". Os valores aí defendidos remontam a épocas antes de Cristo... sãso pois valores intemporais, que se não subjugam a leis com duvidoso critério de oportunidade.

Anónimo disse...

Um tanto atrasado venho dizer-te que gosto muito dos teus poemas que me parece deverias publicar.
Mas este tipo de análise que tu como ninguém faz, porque sabe do que fala e fala tão bem, merece o meu aplauso.

Anónimo disse...

Não. Definitivamente o Código Deontológico não é ilegal. Não tem a ver com a lei mas com valores. O médico não pode ser obrigado a praticar um acto que ofenda a sua consciência.

Anónimo disse...

Mas isso seria absurdo! Obrigar um médico contra o aborto porque este é legal a praticá-lo.
Há códigos efectivamente intemporais.

Anónimo disse...

ESte tópico é dos bons. É um verdadeiro desafio.

A ética dos homens não deve ser definida por decreto. Deve antes ser fruto de séculos e séculos de convivência, que foram criando a moldura da ética actual.

Assim sendo, muito menos a ética dos médicos, deve ser definida pelo positivismo dos homens. Deve resultar do seu próprio entendimento, enquanto classe, do que é a vida humana e do juramento de Hipócrates que todos eles fizeram.

A evolução tecnológica, económica e das mentalidades, veio criar uma nova realidade aqui há uns anos atrás quase, se não totalmente, inexistente...a interrupção coluntária da gravidez.

Quer nós queiramos, quer não, ela está aí e com ela temos que conviver.

Cada ser humano é livre de definir a sua vida, da forma que muito bem entender desde que não ultrapasse as suas liberdades e não invada as liberdades dos outros que com ele coexistem.

Cada um terá as suas razões para tomar esta ou aquela decisão, muitas vezes essencial para si, mas que parece disparatada aos outros.

Entendo que "só sabe do convento, quem lá está dentro".

Assim, caberá aos homens legislar só no que seja estritamente necessário, para que a decisão de um, não venha a prejudicar ou a invadir a esfera de direitos de outrém, mesmo através de uma certa banalização de uma determinada prática.

No caso vertente, isto pressupõe que seja definido a partir de que momento, um nascituro pode ser considerado pessoa, com o inerente acervo de direitos (ainda é cedo para falar em deveres).

Definido, pelo legislador, esse momento, tem a mulher a plena liberdade de interromper ou não a sua gravidez, de acordo com as suas concepções morais, sociais ou económicas. Decisão sómente sua ou do casal.

Mas se a ética dos médicos não é determinada por decreto, também não poderá o legislador obrigá-los a praticar um acto médico que fira a sua própria consciência ou que considerem gravemente lesivo da saúde e bem estar que juraram defender.

Assim, deverão decidir segundo a sua própria consciência.

Assim e como em tudo na vida, terá que existir o necessário ponto de equilíbrio quando estiverem frente a frente o médico e a utente que pretenda praticar uma IVG.